sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Cristo-Rei

Água corrente
Brisa permanente
Beleza ascendente
Tejo é vida contente!

Passagem cor de sangue avermelhada
Cor da paixão que ama e é amada
Passagem cheia de madrugada
Grande vida passada.

Relva fresca, refrescante
Relva que de todos é amante,
Cheiro este constante
Verdura que se espalha num instante!

Cruzeiro que passa, de passagem,
Trilho que leva a outra margem
Lado norte que se considera miragem

Paisagem selvagem de coragem.

Leonardo Pedro 


segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Texto de Halloween inspirado num excerto de "Frankenstein" de Mary Shelley



NA PRAIA


         Estava deitada, com as lágrimas a escorrer pelo meu rosto. Tentei sentar-me, mas estava de certo modo presa. Tinha as minhas mãos a tremer, tentei outra vez mexer-me, mas não estava a conseguir. Era como se estivesse numa caixa pequena e escura. Finalmente levantei-me. 
Olhei para as minhas mãos, eram brancas, fantasmagóricas. Depois, olhei para onde estava deitada, era um túmulo cinzento. 
O chão estava coberto de sangue...
Estaria morta? 
Não me lembrava de nada. Mas o que era mais estranho é que eu estava numa praia e via, para lá da água, no fundo do horizonte, o mundo que parecia afastar-se.
Toquei na água, mas não senti a sua frescura na minha pele pálida e branca. Depois, tentei entrar na água, mas era impossível, pois ficava à superfície. Dei alguns passos para frente.

Fiquei muito longe, afastada da costa, queria parar, mas as minhas pernas continuavam. Não podia voltar para a ilha, não sabia onde estava. Estava perdida no azul do mar...

Sara Martins



terça-feira, 20 de junho de 2017

Texto poético sobre a infância



A INFÂNCIA



Passa lento o tempo da escola e a sua angústia
com esperas e com infinitas matérias.
Ó solidão, ó perda de tempo tão pesada!...
E então, à saída, as ruas cintilam
e nas praças as fontes espirram,
e nos jardins é tão vasto o mundo.
E atravessar tudo isto em calções,
diferente de como os outros vão e foram:
Ó tempo estranho, ó perda de tempo,
ó solidão!

E olhar tudo isto à distância:
homens e mulheres; homens, homens, mulheres
e crianças, tão diferentes e coloridas;
e então uma casa, e de vez em quando um cão
e o medo surdo trocando-se pela confiança:
Ó tristeza sem sentido, ó sonho, ó medo,
Ó inacabável abismo.

E então jogar à bola e ao arco,
num jardim que lento se desvanece
e por vezes tropeçar nos crescidos,
cego e embrutecido na pressa de correr e agarrar,
mas ao entardecer, com pequenos passos tímidos,
voltar silencioso a casa,
a mão agarrada com força:
Ó compreensão cada vez mais terminável!
Ó angústia...

Rodrigo Ruivo

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Texto a partir de uma memória em suspenso



MEU QUERIDO ALENTEJO



     Era uma calorenta tarde alentejana de verão, exatamente como todas as outras anteriores e igual às que estavam para vir. Tinha de tudo para ser uma tarde rotineira no Alentejo, sítio onde no verão se vê vestígios de plantas outrora vivas e onde os filhos e netos dos guardiões ancestrais da aldeia se reúnem.                                                                                       
      Todas as tardes nós, os rebentos da aldeia, íamos à piscina (exceto à segunda, que a piscina fechava para limpeza, mas isso é o que menos interessa para a história). Era algo muito banal, mas posso garantir que nunca ninguém se aborrecia de o fazer.                                       
      Mas, para mim, esta tarde era muito diferente. Talvez não o fosse para os outros mas, para mim, era de certeza, pois era o dia em que o senhor Zé, tio de um dos meus amigos (um herói que nasceu surdo e mudo, cuja história de vida contarei numa outra ocasião), ia ensinar-me a nadar sem braçadeiras – pode não parecer nada de especial, mas para uma criança de 5 anos, podem crer que era!                                                    
      Eram 4 da tarde, a piscina estava a abrir e a minha odiada digestão estava a acabar. Corri ao quarto para calçar os chinelos, pegar na minha toalha e no bilhete de entrada para a piscina e foi então que algo aconteceu. Ao abrir a porta da rua, deparo-me com a situação mais emocional e surreal que algum rapaz de 5 anos pode viver. Olhei para o chão e, surpreendentemente, este estava cheio de granizo. A minha primeira reação foi olhar para o céu e foi quando o foquei, que o tempo parou.                                                                                                   
       Não houve tempo para me questionar sobre o facto de o termómetro rondar os 40ºC e estar a chover granizo, nem de ficar triste, porque o senhor Zé não me podia ensinar a nadar, com o chão cheio de granizo. Não houve tempo para nada disso porque, como eu disse, o tempo parou - mantendo-se o granizo suspenso no ar e a minha cara de quem acabou de perceber que nunca poderia prever nada do que estava para vir, continuou a espectar o céu. Pelo menos é assim que eu me lembro. 

João Balau 



sexta-feira, 7 de abril de 2017

Texto sobre uma aventura



O TESOURO


      Remontamos a 1569, quando eu e a minha tripulação estávamos a navegar pelos fabulosos mares das Caraíbas e, ao remexer nos documentos do meu pai, encontrei uma velha e misteriosa carta.
       Pedi ao Daniel, companheiro de sempre das minhas viagens (e que estava comigo naquele preciso momento), que traduzisse a carta, pois ele entendia melhor do que ninguém a letra do meu pai e conseguia decifrar cada gatafunho, não tivesse ele trabalhado junto do meu pai, durante quase toda a sua existência.
        Daniel começou a ler e rapidamente percebemos que a carta nos dava pistas de um tesouro escondido e eu perguntei-me como é que o meu pai conseguira guardar aquele segredo até morrer.
         Chamei toda a tripulação e decidi partir de imediato para o local marcado com uma cruz. As indicações levaram-nos a uma ilha, que nem sabia que existia!
       Enquanto pisava a areia quente de terra firme, repetia as palavras que tinham sido escritas pelo meu pai e lidas pelo Daniel, naquela carta:” Vê a criança que está dentro de ti”. Mas... O que é que o meu pai quereria dizer com isto? A criança que vivera dentro de mim, já tinha partido há muito tempo, para a Terra do Nunca ou para outro lugar qualquer... Já não existia, pois eu era mais a versão Capitão Gancho do que Peter Pan e não poderia encontrá-la para lhe perguntar onde estava o tesouro...
       De repente, recordei-me de uma música que meu pai me cantava em pequeno e a letra soltou-se da minha voz, como se a tivesse ouvido todas as noites, ao longo de todos estes anos sem ele:

“♪ No meio da floresta,
O vento sopra violento
Não pares, não faças a sesta
Fica sempre muito atento!
Da árvore mais alta à mais baixa
Para a meio do caminho
Este é o momento da tua vida
Pensa se queres ir sozinho... ♪”

       Foi aí que se fez luz!… Deixei a tripulação para trás, entrei pela floresta, avancei pelos arbustos, parei entre duas árvores (que me pareciam a mais alta e a mais baixa da mata) e comecei a escavar furiosamente. Ao descobrir um baú, abri-o cortando o cadeado com a espada e deparei-me com uma caixa com o colar da minha mãe (que eu julgava perdido) e, por baixo dessa caixinha, estavam dez barras de ouro com a seguinte mensagem:

“Tenho a certeza de que chegarás aqui, porque as lembranças são o nosso maior tesouro!”


       Sorri. Sabia lá eu o que tinha sido mais importante descobrir nessa tarde...  É que (vocês não percebem...), mas esta é única forma que um pirata tem para dizer que ama. 

          Mariana Santos



Poema livre



O MEU MUNDO


O meu mundo lá fora é muito diferente
Deste mundo que cá dentro eu sinto
Lá fora, os meus olhos veem vida ou morte
Dentro de mim vejo amor, conflito, dor...
Lá fora, ouço um ruído que grita quente
Cá dentro, um silêncio frio...
Lá fora, eu sinto a atenção do Sol        brilhante
Cá dentro, eu sinto a noite frustrante
Lá fora, há pessoas de papel,
que caminham cegas por estradas,
que vão sendo apagadas pelo Tempo.
Cá dentro, sinto o vazio,
O sangue que corre frio pelas veias,
O coração, que faz o mundo parar
E nunca mais voltar...

Será que também sentes o mesmo?
Será que também sentes esta dor?
Ou será que tens a vontade

De tornar este mundo num lugar melhor? 


Elisabete Dias 

terça-feira, 28 de março de 2017

Poema

CHUVA


Chuva caindo
Dos céus escurecidos
Pessoas fugindo
Pelos caminhos esquecidos...

Gota a gota a chuva
Insiste em cair do céu,
As pessoas apressam-se
Porque não têm um chapéu...

Vejo as lágrimas nos vidros
São mais do que condensação.
Queria que lá fora chovesse
Mais do que no meu coração.

No fim tudo seca
E tudo volta ao normal
Eu fico triste porque, em mim,
Continua a viver um temporal...


José Tomaz Lagaillarde