quarta-feira, 31 de maio de 2017

Texto a partir de uma memória em suspenso



MEU QUERIDO ALENTEJO



     Era uma calorenta tarde alentejana de verão, exatamente como todas as outras anteriores e igual às que estavam para vir. Tinha de tudo para ser uma tarde rotineira no Alentejo, sítio onde no verão se vê vestígios de plantas outrora vivas e onde os filhos e netos dos guardiões ancestrais da aldeia se reúnem.                                                                                       
      Todas as tardes nós, os rebentos da aldeia, íamos à piscina (exceto à segunda, que a piscina fechava para limpeza, mas isso é o que menos interessa para a história). Era algo muito banal, mas posso garantir que nunca ninguém se aborrecia de o fazer.                                       
      Mas, para mim, esta tarde era muito diferente. Talvez não o fosse para os outros mas, para mim, era de certeza, pois era o dia em que o senhor Zé, tio de um dos meus amigos (um herói que nasceu surdo e mudo, cuja história de vida contarei numa outra ocasião), ia ensinar-me a nadar sem braçadeiras – pode não parecer nada de especial, mas para uma criança de 5 anos, podem crer que era!                                                    
      Eram 4 da tarde, a piscina estava a abrir e a minha odiada digestão estava a acabar. Corri ao quarto para calçar os chinelos, pegar na minha toalha e no bilhete de entrada para a piscina e foi então que algo aconteceu. Ao abrir a porta da rua, deparo-me com a situação mais emocional e surreal que algum rapaz de 5 anos pode viver. Olhei para o chão e, surpreendentemente, este estava cheio de granizo. A minha primeira reação foi olhar para o céu e foi quando o foquei, que o tempo parou.                                                                                                   
       Não houve tempo para me questionar sobre o facto de o termómetro rondar os 40ºC e estar a chover granizo, nem de ficar triste, porque o senhor Zé não me podia ensinar a nadar, com o chão cheio de granizo. Não houve tempo para nada disso porque, como eu disse, o tempo parou - mantendo-se o granizo suspenso no ar e a minha cara de quem acabou de perceber que nunca poderia prever nada do que estava para vir, continuou a espectar o céu. Pelo menos é assim que eu me lembro. 

João Balau 



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